terça-feira, 10 de maio de 2011

NO ARAGUAIA, A GUERRA FOI SUJA


DESEMBARGADORA SOLANGE SALGADO
SÓ LOCALIZAÇÃO DOS CORPOS PODE ENCERRAR A GUERRA DO ARAGUAIA
Há oito anos na disputa pela abertura dos arquivos oficiais, Solange Salgado considera esclarecimento sobre guerrilha condição para haver avanço histórico.
A desembargadora Solange Salgado, da Justiça Federal, completa em junho oito anos de uma batalha sem trégua para abrir os arquivos oficiais sobre a guerrilha do Araguaia e localizar os túmulos dos guerrilheiros. De 2003 para cá, a Advocacia Geral da União recorreu três vezes da sentença e os presidentes Lula e Dilma Rousseff chancelaram a versão do Ministério da Defesa de que os arquivos do Cenimar, CIE (atual Ciex) e Cisa - órgãos de inteligência das três forças - incineraram os documentos.
As novas buscas na região estão sendo orientadas por informações obtidas na investigação e coleta de depoimentos da própria desembargadora. A sala de Solange virou um centro de peregrinação de familiares de guerrilheiros e uma espécie de divã de militares que se dizem dispostos a colaborar.
Em entrevista ao Estado, Solange ressalta que, sem a entrega dos corpos, o governo atual mantém uma postura autoritária como na época do regime militar (1964-1985). Dos 69 guerrilheiros mortos, só dois tiveram os corpos identificados e entregues às famílias.
Qual é a avaliação da senhora sobre o trabalho do Ministério da Defesa na busca de restos mortais de guerrilheiros?
A equipe técnica é da melhor qualidade. A dificuldade na localização de restos mortais deve-se a outras questões, dificuldades dos procedimentos da abertura que estamos vivenciando. É preciso ter uma mudança de mentalidade, uma aceitação por parte das pessoas que participaram da nominada guerrilha do Araguaia que ainda têm resistência de falar sobre os fatos. O esclarecimento dos fatos é importantíssimo para avançarmos no processo democrático constitucional. Sem passar a limpo essa parte da nossa história, por mais triste que ela seja não haverá avanço histórico. Com a entrega dos corpos, vamos conseguir superar não a dor que causou aos familiares e à sociedade, mas um processo de avanço, sobretudo democrático. É pacífico nas cortes constitucionais que o desaparecimento forçado de pessoas é um crime continuado. Apesar de estar num processo democrático, à sociedade brasileira ainda vive um ato de autoritarismo praticado pelo governo brasileiro.
Por que o caso Araguaia se tornou emblemático da história do Brasil?
Aqueles guerrilheiros que foram capturados deveriam ficar presos, pois estavam sob custódia do Estado. E onde estão os presos, onde estão os corpos? Nada apareceu. Queremos apenas encerrar aquela guerra que se iniciou e não teve fim. Porque os atos de autoritarismo estão se mantendo até hoje. O governo permanece com esse ato de autoritarismo, porque não entrega os corpos ou os presos.
A senhora enxerga resquícios do Araguaia no Brasil de hoje?
Estamos avançando. Não se dá saltos numa questão dessas. Nós vivemos um período autoritário de muita força. Até governos estrangeiros reconheceram que no Brasil a guerra foi suja. Não se passa para uma etapa sem encerrar outra. O terrorismo continua sendo praticado com a figura do desaparecido. Se o terrorismo foi praticado pelo governo lá atrás, quem sucedeu no poder tem de fazer a abertura e entregar os corpos.

O Ministério da Defesa é tocado por um civil. A presidente é a chefe das Forças Armadas. Os arquivos seguem fechados. Ainda não estamos num tempo em que a presidente manda nos militares?
Esse processo está avançando, mas é uma questão eminentemente política. Se foi adotado um processo de mais diálogo nessa fase, é isso que impossibilitou e está impossibilitando um resultado mais ágil de localização dos corpos. O Judiciário e o Ministério Público atuam no trabalho de localização. E estamos em conjunto com o Ministério da Defesa, com a ouvidoria formada por uma diversidade de áreas. Não podemos negar o trabalho da Defesa. Mas como se sabe, a própria operação limpeza (de troca de túmulos e retirada de corpos a partir de 1975) estava sendo negada. Então, avançamos nesse ponto.
Do O Estado de S. Paulo.

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