INSULTOS À MEMÓRIA
Em Rondônia, há uma pequena cidade chamada Presidente Médici. Este é o mesmo nome de um estádio de futebol em Sergipe. Os paulistanos que quiserem viajar de carro para Sorocaba conhecerão a rodovia Castello Branco. Aqueles que procurarem uma via sem semáforos para o centro da capital paulista poderão pegar o elevado Costa e Silva.
Sebastião Curió R. de Moura e Jarbas Passarinho
Há mesmo alguns paulistanos que moram na Rua Henning Boilesen: nome de um empresário dinamarquês, radicado no Brasil, que financiava generosamente a Operação Bandeirante e que, em troca, podia assistir e participar de torturas contra presos políticos na ditadura militar.
Há alguns anos, os são-carlenses foram, enfim, privados da vergonha de andar pela Rua Sérgio Fleury: nome de um dos torturadores mais conhecidos da história brasileira. Estes são apenas alguns exemplos da maneira aterradora com que o dever de memória é praticado no Brasil.
Se monumentos, cidades e lugares públicos podem receber o nome seja de ditadores que transformaram o Brasil em um Estado ilegal resultante de um golpe de Estado seja de torturadores sádicos é porque muito ainda falta para que a memória social sirva como garantia de que o pior não se repetirá. Sem esta garantia vinda da memória, os crimes do passado continuarão a destruir a substância normativa do presente, a servir de ameaça surda à nossa democracia.
Lembremos como o Brasil foi capaz de legalizar o golpe de Estado em sua Constituição de 1988. Basta lermos o artigo 142, no qual as Forças Armadas são descritas como "garantidoras dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Ou seja, basta, digamos, o presidente do Senado pedir a intervenção militar em garantia da lei (mas qual? Sob qual interpretação?) e da ordem (social? Moral? Jurídica?) para legalizar constitucionalmente um golpe militar.
Tudo isso demonstra como ainda não há acordo sobre o que significou nosso passado recente. Por isso, ele teima em não morrer. Um núcleo autoritário e violador dos direitos humanos nunca foi apagado de nosso país. Não é por acaso que somos o único país latino-americano onde o número de casos de tortura em prisões cresceu em relação à ditadura.
O que não deve nos surpreender, já que ninguém foi preso, nenhum mea-culpa dos militares foi feita, ninguém que colaborou diretamente com a construção de uma máquina de crimes estatais contra a humanidade foi objeto de repulsa social.
Que a criação de uma Comissão da Verdade possa, ao menos, fazer com que o Brasil pare de insultar a memória dos que sofreram nas mãos de um Estado ilegal governado por usurpadores de poder. Que ninguém mais precise morar em Presidente Médici.
*Vladimir Safatle é colunista da Folha de S. Paulo
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 3 de maio de 2011
Sempre tive estabelecidos dois lados nesse período da história brasileira: a ditadura dos militares e seus contrários, os que pretendiam implantar a ditadura dos comunistas. Hoje, sei que todo aquele que falasse contra o regime (que não era somente militar) mesmo que não defendesse o mesmo implantado em Cuba ou U.R.S.S, mesmo que apenas democrata fosse, era duramente repremido, torturado, violentado e, por vezes, assassinado. Portanto, devemos observar e tomar como exemplo nossos irmão argentinos e abrir os arquivos desse período triste da história brasileira para punir todos os criminosos sádicos da direita e da esquerda.
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